segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Biblioteca: Reisenheim

Reisenheim

Ninguém sabe ao certo da origem de nosso mundo e a criação do multiverso é um assunto no qual nem os deuses gostam de tocar. Por mais que pesquisadores tenham trabalhado ostensivamente na busca pela verdade, nunca houveram resultados concretos. Então devemos partir de onde temos algumas evidências.
Este plano, chamado pelos deuses de Reisenheim, era inicialmente um mundo de humanos. O plano primário, material, onde pisamos, respiramos e vivemos, e o plano secundário, que muitos chamam de plano dos espíritos, estavam presentes. Não havia magia, nem a energia divina, nem poderes psiônicos. Se haviam deuses por aqui antes, eles desapareceram sem deixar rastros.
Nosso plano sofria uma invasão. Sabemos muito pouco desse inimigo ancestral. O que deduzimos com materiais e relatos encontrados em locais já perdidos e ruínas abandonadas é que estes inimigos eram grandes lordes extraplanares. Eles escravizaram a humanidade com muita facilidade e se instalaram em nosso plano com seus exércitos de gigantes e criaturas corrompidas.
Os deuses (ou seus avatares, como alguns defendem) vieram de um outro plano para cá em nossa defesa e foram chamados pelos locais de ddwyfol. Os humanos, primitivos como eram, ficaram encantados com todo o poder que eles emanavam, então começaram a idolatrá-los enquanto eles lutavam contra nossos algozes.
Os ddwyfol ensinaram várias coisas aos primitivos. O plantio, a fala, a escrita, filosofia e todo tipo de arte foi sendo passada aos humanos no decorrer do tempo, inclusive a arte da guerra. Pouco a pouco a luta ia se intensificando e os humanos ficavam maravilhados ao ver um único estrangeiro devastar hordas e hordas dos gigantes púrpura. Os lordes, nomeados uffern pelos nativos, pareciam odiar os deuses com a mesma força e viviam tramando para derrota-los.
Foi então que surgiu o primeiro elfo. Seu nome era Anghallas e seu plano original passava pela mesma invasão que o nosso. Ele aprendeu muito com os deuses e depois de algumas décadas retornou para seu plano com alguns dos ddwyfol ao seu lado. Outras décadas depois ele retornou trazendo milhares de elfos que havia salvo das garras dos lordes invasores.
Com o tempo descobrimos que os invasores estavam atuando em vários planos simultaneamente e suas ações acabavam conectando estes mundos. Sabendo disso, os ddwyfol e seus soldados mais próximos começaram a fazer incursões para esses outros planos para ajudar seus nativos. Reisenheim finalmente ganhou este nome e se tornou um plano-refúgio para as raças que lutavam contra os uffern.
Décadas se passaram e as lutas pareciam não ter fim. Foi uma era negra onde muitos morreram, inclusive entre os seres divinos. Mas depois de esforços conjuntos de todas as raças envolvidas, finalmente nos livramos do último dos invasores. Os salvadores passaram a ser oficialmente reconhecidos como divindades pelos povos de todas as raças.
O mundo que conhecemos começou a tomar forma. Os deuses emprestaram sua energia aos mortais mais próximos, então as primeiras ordens religiosas nasceram. A magia e a energia psiônica vieram também, junto com diversos tipos de criaturas que foram aparecendo aos poucos. Nações se ergueram, caíram, se misturaram e se dissolveram, muitas gerações se passaram nesse ciclo de enriquecimento cultural de Reisenheim.
Os deuses restantes eram dez: Bresnor: mestre da terra e do metal; Cireael: dama dos portais e da sorte; Emnos: mestre da noite e das estrelas; Fleara: senhora do fogo e da guerra; Kalaionne: senhora do tempo e do conhecimento; Laraelle: dama da luz e da ordem; Namkaherz: senhor da morte e do ódio; Raizel: mestra da água e da natureza, Thoriann: lorde das tempestades e vingança; e finalmente Vennthez: senhor dos ventos e liberdade.
Cada um dividiu seus conhecimentos, doutrinas e visões do universo com os mortais, moldando suas religiões. Nem todos sabiam, no entanto, que os deuses tinham regras entre si. Eles jamais assumiam posturas ofensivas, pois seu poder poderia trazer destruição aos pobres mortais, além de drásticas mudanças geológicas. Também não poderiam ter relações íntimas ente os seus, visto que não sabiam qual poderia ser o resultado de uma mistura de criaturas de tanto poder.
Namkaherz, em suas maquinações, começou a trazer os outros deuses para perto com desculpas de assembleias e debates. Parecia divertido simplesmente observar a interação dos deuses. Neste ponto, devemos supor que todas as divindades vieram de um único lugar, onde talvez não fossem tão próximos. A interação deles muitas vezes parecia algo no mínimo embaraçoso para sua existência.
Os mais jovens dos deuses, Cireael e Thoriann, começaram a se aproximar. Há manuscritos e relatos dos servos diretos do deus das tempestades narrando visitas frequentes da senhora dos portais ao seu palácio aéreo, Sky’s Arch. Eles passavam semanas conversando e bebendo no salão e pouco contato com os sacerdotes era feito nesses períodos. Alguns deuses começaram a se preocupar, principalmente Laraelle.
Alguns séculos se passaram até que as maquinações de Namkaherz finalmente tenham dado em algo. Há indícios de que o lorde necromante não só trouxe os deuses para mais perto como provocava a instigava a aproximação entre alguns deles. Sendo os mais jovens e inconsequentes, Thoriann e Cireael enfim quebraram uma das regras sagradas: se entregaram aos desejos carnais. Quando os outros deuses se deram conta, a deusa caçula já estava à espera de um rebento divino. Foi então que o mundo começou a mudar.
Os deuses se reuniram diversas vezes, discutindo o que seria feito dos dois infratores. Apesar de todos terem concordado com as regras, alguns pareciam pouco dispostos a punir o casal divino por se aproximarem. Laraelle era irredutível em seu compromisso com a ordem e queria o exílio imediato do casal. De temperamento difícil, Thoriann não aceitava ser punido e ameaçava a qualquer um que ousasse tocar em Cireael.
O que houve depois são apenas suposições, visto que a mente mortal jamais conseguiria entender completamente os pensamentos de entidades divinas. O casal começou a preparar seus seguidores para uma guerra, apesar de ninguém tomar a iniciativa. Nações ficavam apreensivas e torciam para que a guerra não assolasse seus territórios.
Sem encontrar apoio nas outras divindades, Laraelle tratou de garantir que a justiça fosse feita e iniciou uma guerra contra o casal ao lado de sua maior aliada, Fleara. Conforme havia sido combinado, nenhuma divindade agiu diretamente e a guerra corria através dos devotos de cada um deles. Animado com a nova ordem do plano, Namkaherz enviou seu exército para lutar a favor do casal, enquanto Bresnor, que nutria rivalidade com o deus da loucura, resolveu equilibrar o confronto.
Séculos de conflitos se passaram e eventualmente as outras divindades foram tragadas para a guerra, que então envolvia o mundo inteiro, exceto por Kalaionne, mãe de Cireael, e Emnos. Neste ponto, as divindades são realmente uma incógnita. Nos conceitos mortais, sabemos que a dama dos portais estava grávida, mas a gestação de uma divindade é algo que, mais uma vez, não ousamos tentar entender. Segundo raros relatos da época, não havia qualquer coisa em sua aparência que indicasse que ela estivesse esperando alguma criança.
Houve uma nova assembleia, onde todos esperavam pela paz. O mundo havia passado séculos em guerra e os mortais já davam mostras de que sua fé nas divindades fraquejava. Não se sabe como aconteceu, mas outras regras foram quebradas. Cireael, Laraelle e Namkaherz se atacaram, fisicamente. A terra tremeu, a paisagem mudou, ilhas afundaram e os continentes foram afastados. Ao final da confusão, Emnos tomou a palavra e acusou a todos envolvidos por quebrar a regra mais sagrada de todas.
Cada um dos envolvidos na batalha divina foi exilado. Alguns por bem, outros por mal. Foi então que, para a surpresa de todos, Emnos e Kalaionne, com tristeza, selaram o plano, cortando todas suas amarras com o multiverso. A ira de Thoriann só aumentava e ele lutava para controlar sua vontade de vingança. Havia sido separado de seu amor e de seu rebento, sem mais nenhuma chance de revê-los.
Infelizmente para os mortais, o deus das tempestades seguiu lutando. Mas dessa vez suas chances eram escassas, pois estava sozinho contra seis divindades. O mais forte de todos os deuses no combate, ele foi um oponente formidável. Forçou os outros deuses a se defenderem sem com que pudessem revidar, já que temiam que acabassem sendo punidos posteriormente. E assim um milênio se passou, até que o sexteto finalmente conseguisse inibir o deus da vingança.
Mais uma vez podemos apenas imaginar o que aconteceu, mas o que se tem certeza é que a ilha de Lynheim, onde ficava Sky’s Arch, foi separada de todo o plano com uma barreira de energia divina e, ao seu lado, preso num iceberg gigante, ficou Thoriann. Desde então nada sabemos do que aconteceu com os habitantes da ilha, em sua maioria comprometidos com o deus aprisionado naquela época. A paz voltou ao plano e os deuses jamais se reuniram novamente. Cada um se isolou em seu próprio salão, recebendo apenas um ou outro devoto mais próximo com intervalos gigantescos, que as vezes chegam até a 100 anos.
Também devo lembrar que nosso continente, Cefteros, não é o único em nosso planeta. Devido à batalha dos deuses, nosso continente vizinho, Stepos, acabou sendo afastado em muitos quilômetros de nossos portos. Partindo do extremo oeste de Cefteros, em Lynheim, velejando ao oeste por um grande período de tempo, é possível chegar até a costa nordeste de Stepos. No entanto, devido à distância, a relação com aquele continente é praticamente nula nos dias atuais.
Sabemos que as raças que habitam aquele reino têm as peles bem mais bronzeadas que os nossos. Sua cultura a essa altura deve diferenciar da nossa em várias coisas, assim como sua fauna e flora. Com um terreno mais árido e grandes áreas desérticas, aquele continente não atrai muito interesse de nossos navegadores e poucos são os que se atrevem a viajar entre os continentes, não importa o trajeto. Aliás, o trajeto em si já é um problema, já que as águas em torno da isolada Lynheim são extremamente traiçoeiras e dar uma volta pelas áreas de tempestade ainda aumentariam a jornada consideravelmente.
Já faz mais de mil anos que as tempestades foram silenciadas e dois mil desde que não recebemos mais visitantes de outros planos. Nossos deuses estão mais distantes que nunca e suas religiões tomaram tantas formas diferentes que as vezes fica difícil até notar suas influências na fé das pessoas. A vida para a maioria das pessoas não é fácil, pois problemas como fome, opressão, guerras e pragas jamais deixaram de assolar nosso mundo. Alguns creditam isto ao distanciamento dos deuses, outros ao exílio dos pecadores. Por uma razão ou outra, só nos resta orar e fazer nossa própria parte, pois a vida continua.

- “Reisenheim: História Objetiva”, Uhtred Arthur Cornwell

2 comentários:

  1. Thoriann é o deus do Arthur? Será que as crianças eram enviados deste deus exilado?
    Algo se Thoriann estiver realmente livre uma nova guerra pode começar!

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  2. Acredito q vamos viajar... a barreira da ilha para o continente deve ter sido rompida! E, com a libertação de Thoriann, vamos ter guerras... ele vai querer encontrar a amada e o rebento... acho q já entendi seus "sonhos" Dorna....

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