Capítulo 15.5
2017: Janasys 3.
Alanna estava numa espécie de corredor iluminado por
algum tipo incomum de luz violeta, que vinha do teto. As paredes eram de metal,
frio e cinzento. Quando ela começava a se interessar em explorar o local, ouviu
barulhos de um dos lados. Prestando atenção a ele, viu novamente aqueles
gigantes púrpura. Dois deles, bem armados e com armaduras tapando parte das
inscrições arcanas em sua pele escura.
Atrás dos dois gigantes, ambos machos, vinha uma
figura encapuzada. Aquela pessoa era alta, mas menor que os gigantes. Parecia
ter cerca de dois metros e vinte. Seus passos eram graciosos e mal faziam
barulho, era quase como se seus pés sequer tocassem o solo frio de metal.
Escondendo seu corpo no manto, que se alongava até o chão, se arrastando pelo
mesmo. Atrás do encapuzado vinham mais dois gigantes tão bem armados quanto os
da frente.
A comitiva passava decidida, parecia não notar sua
existência. Os dois primeiros gigantes passaram e então veio a figura
encapuzada. Graças ao ângulo baixo, conseguiu ver olhos violetas que brilhavam
na escuridão do capuz. Logo os dois outros gigantes passaram também e ela
aproveitou para segui-los, curiosa. O quinteto chegou até uma das extremidades
do corredor, onde uma porta de vidro se abriu automaticamente, como se por
mágica, suas duas folhas se afastando do centro onde se encontravam.
Toda a comitiva passou para a sala seguinte e a
porta se fechou, mantendo a meio-elfa no corredor. Para sua sorte, podia
enxergar a sala dali. Havia uma plataforma elevada em forma de circunferência,
uma espécie de fosso separando-a de um outro círculo que ficava levemente acima
do solo, apenas um degrau. Dentro do círculo, em posições opostas, estavam oito
gigantes púrpura, estes sem armadura nem armas. Estavam todos abaixados, um dos
joelhos no chão, o outro sustentando o braço dobrado, suas cabeças voltadas ao
chão. Aparentemente eles deviam reverência ao encapuzado.
A figura encapuzada sumiu e num instante reapareceu
na plataforma central. Os gigantes de armadura postados no lado oposto à porta,
de costas para a plataforma. A cena ficava cada vez mais confusa sob a luz
violeta que emanava do teto e de alguns pontos das paredes daquela sala. Então
o manto caiu, revelando uma figura feminina. Ela tinha longos cabelos brancos,
o corpo belo e bem esculpido.
Então Alanna finalmente se deu conta. Uma das pernas
da mulher parecia cristalizada. Não parecia uma pele de cristal que se formava em
torno do membro, mas sim que o próprio membro havia se tornado cristal, dando
uma aparência grotesca a ela. Numa das mãos o mesmo fenômeno se fazia presente,
formando uma garra assustadora. Quando ela se virou em sua direção, pôde notar
que uma de suas longas orelhas também estava cristalizada, assim como um de
seus seios. Então fechou os olhos, assim como os oito gigantes púrpura.
De repente, uma energia violeta começou a fluir do
corpo da mulher para as mãos dos gigantes, que estendiam os braços em sua
direção. Esta situação continuou por vários minutos, o suor tomando conta do
corpo da mulher, que tinha o corpo suspenso no ar conforme a energia continuava
a fluir. Quando finalmente acabou, uma explosão de energia violeta tomou o
local, apagando toda as luzes por alguns segundos, até que elas retornaram aos
poucos.
A mulher ainda estava de pé no centro da plataforma,
seu corpo ofegante. Ela não tinha mais nenhuma parte do corpo cristalizada,
parecia novamente uma criatura de carne e osso. Os oito gigantes ao seu redor
sorriam enquanto se abaixavam em nova reverência, desta vez ambos joelhos iam
ao chão enquanto seu torso se dobrava à frente, suas testas tocando o metal
frio do solo. Um dos soldados estava ao lado da mulher com o manto em mãos.
Ágil e já recomposta, ela logo cobriu seu corpo. Seu olhar procurava algo, até
que seus olhos encontraram com os de Alanna.
A meio-elfa despertou desnorteada e amedrontada.
Sentira que aqueles olhos podiam ver fundo em sua alma e dobrá-la à sua
vontade. Demorou algum tempo até que se tranquilizasse e se desse conta de que
estava segura em Scottner. A garota estava olhando com os olhos lilases
arregalados do outro lado do quarto, em sua pose típica do transe. Ela e o
irmão já estavam parecendo ter por volta de doze ou treze anos, crescendo num
ritmo incomum e até agora com razões desconhecidas.
...
2017: Janasys 6.
Em seu transe habitual, Arannis aproveitava para
recapitular todos acontecimentos recentes. Pensava sobre a viagem passada, suas
investidas em Alanna e sentiu-se cansado. Ele havia ficado um pouco entediado
com os trabalhos simples que teve por meses, mas a viagem a Tomhills se provou
uma missão bastante complicada. Ele sentia como se perdesse o controle das
coisas. Agora estava de volta a Scottner e talvez tivesse mais alguns meses de
descanso. Estava próximo das crianças novamente.
Arannis se sentia leve. O vento trepidava seus
cabelos e suas vestes de tons claros, como sempre usara por toda a vida. Ao
abrir os olhos, se dá conta do quão fantástico era aquilo. Sob ele estava uma
criatura majestosa, suas belas escamas de aço refletindo a lua cheia. Estavam
sentados num círculo em cima do dorso da criatura. Um amigo, não apenas uma
criatura. Aquele dragão lhe era muito querido e o eladrin sentia que devia muito
a ele. Faces amigáveis olhavam para o centro do círculo, como ele próprio
fazia. Sentia que finalmente se despediria daquele mundo, que ficava cada dia
mais cinzento desde a partida de sua amada companheira.
Logo ao seu lado esquerdo estava um elfo, os cabelos
castanhos presos num coque que derramava suas madeixas sobre as aljavas de
flechas em suas costas. Ao lado dele um arco repousava. Indo mais além estava
outro eladrin, mago, vestes esvoaçantes e uma expressão de concentração
enquanto seus longos cabelos prateados trepidavam em sua direção. Seu cajado
descansava em seu colo enquanto suas mãos o giravam distraidamente. Indo além
estava um halfling de olhar divertido, suas tranças balançando ao vento. Ao
lado do halfling, outra criatura fantástica: um vampiro. Ele conhecia aquele
vampiro havia muito tempo, suas vestes cinzentas impecáveis se dobrando à
vontade do vento, tal como seus cabelos brancos. Seu rosto era austero.
Ao lado do vampiro vinha a pessoa mais familiar da
comitiva: seu pupilo, olhos azuis determinados enquanto seu cabelo dourado
lutava para escapar da fita azul que o prendia. Seu par de adagas chamava
atenção. Ele estava abraçado à amada, a cabeça dela em seu ombro. Ela tinha a
aparência de uma elfa, belíssima, de cabelos castanhos e olhos verdes. Ela
vestia um couro justo e tinha um olhar aterrorizante. Já estava acostumado a
ele e também sabia a razão: amaldiçoada, ela era um dragão preso num corpo de
elfa. Logo à sua direita, então, vinha a humana. Seus cabelos negros eram muito
lisos e seus olhos eram muito horizontais, típicos dos povos do extremo
oriente. Ela parecia muito concentrada.
- Aqui está seu plano B. – O halfling tirou de sua
mochila algumas poções azuladas. – Ao tomar isto, vocês poderão voar por algum
tempo. Mas tentem poupar para a necessidade. Se forem cair, usem. – Ele
distribui os frascos entre a comitiva.
- Ou, quem quiser desistir, pode usar agora e
voltar. – Comentou o eladrin de cabelos dourados. – Sei do risco que todos
estão correndo vindo nesta batalha por mim, não é nenhuma vergonha voltar. –
Ele deu de ombros.
- Como vocês sabem, se morrerem no Atoleiro, seus
espíritos serão atraídos e seus corpos terão que ser destruídos para que não se
tornem mais um nas legiões de mortos. Não há chance de ressurreição. – Completou
a elfa friamente.
Todos assentiram, cientes do risco que corriam. Mas
ninguém estava disposto a fugir. Iriam lutar pelo seu amigo e por tudo que ele
inspirava no mundo. Lutariam porque acreditavam que ele poderia colocar um fim
à guerra que se prolongava havia décadas e punia todo o povo inocente. Arannis
sabia que seu pupilo jamais recuaria e que entenderia uma recusa em seguir, mas
ele estava disposto a ir até o final. Estava neste mundo havia muito tempo já e
não via a hora de se reencontrar com sua amada. Passar para o outro lado era
tudo que ele mais queria agora. Iria lutando, iria com honra.
Ele via sua determinação espelhada no rosto de
todos. Abaixo de onde passavam via as luzes de milhares de fogueiras, mas não
conseguia discernir as máquinas de cerco e todos os soldados que esperavam pela
batalha. Enfrentariam uma força de dragões nos céus e tentariam usá-la para
limpar os mortos-vivos da região. Armas de cerco foram colocadas próximas ao
limite do Atoleiro e os soldados das fronteiras as usariam para bombardear
dragões e mortos-vivos. Todos ficaram de pé conforme se aproximavam do local da
batalha, o miasma roxo cobrindo a região muito abaixo deles.
- Eu sou muito grato a todos vocês. São grandes
amigos e estão entre as pessoas mais valiosas para mim. – Sorriu seu pupilo, se
esforçando para fazer-se ouvir acima do som do vento e da batida das asas de
seu amigo dragão. – Cada um de vocês foi responsável por algum tipo de
aprendizado em minha vida e por isso serei eternamente grato. Se não estivermos
todos vivos ao final da batalha, saibam que lutar ao lado de vocês foi a maior
honra de minha vida. Agora vamos lá acabar com a raça desses dragões e limpar
nossas terras dos mortos-vivos!
O círculo se desfez e todos olharam ansiosos para o
horizonte escuro. Com um sinal do dragão que os carregava, todos ficaram a
postos. A velocidade ia diminuindo, haviam passado pelas ruínas de Tallasys
havia pouco tempo, a pobre cidade que sucumbira à horda morta-viva que a
engoliu em poucos dias sem seus maiores defensores, levando um dos grandes
amigos do herói. Já era possível enxergar os inimigos. Arannis se impressionou
com a quantidade de dragões voando em sua direção, estava certo de que eram
mais de quarenta dragões liderados pela Dracônica. Sua hora estava chegando.
Animado e ao mesmo tempo receoso, o eladrin abriu os
olhos e viu que se encontrava novamente em seu dormitório em Scottner. Estava
intrigado com essas visões ou sonhos, aquilo era espantoso, pois como não
dormia, não conhecia esse tipo de sensação. Ele precisou de bastante tempo para
voltar a ficar tranquilo e entrar em transe novamente, fazia todo possível para
deixar de pensar no que acabara de ver, mas era difícil. Ainda iria entender
isso, mas não agora.
...
2017: Jansys 8. Malaggar foi o primeiro a encontrar
as crianças depois de deixar seu transe. Ele então as convidou para o
treinamento, como vinha fazendo há algum tempo. Já não fazia mais tanta questão
de esconder isso. Todos se prepararam e foram para o círculo feito na terra
logo à frente da casa onde estavam ficando nesses últimos meses. Finalmente
tinham um dia de folga e se reuniram novamente. Assim como no longo período
anterior que passaram trabalhando em funções diferentes, dessa vez tiveram o mesmo
tipo de tarefas atribuídas individualmente.
Scottner já tinha todas as construções essenciais.
Bancos, tavernas, templos, entre outros. A muralha de pedra também estava
finalizada. Enfim começavam a se focar em moradias tradicionais. As minas já
trabalhavam num ritmo moderado e a cidade finalmente começava a andar por conta
própria. Como previsto por Scott, realmente parecia uma era dourada para uma
cidade que até pouco tempo estivera esquecida nas mãos de orcs e rodeada de
goblinoides. Naquele horário as ruas eram quase desertas, as crianças já
estavam vestidas e com suas espadas de madeira em mãos enquanto o drow os
esperava no centro do círculo.
...
Alanna despertara e logo ouvira os sons do
treinamento das crianças nos arredores. Preocupada com o zelo de Malaggar, ela
foi até o círculo onde os dois pequenos lutavam entre si. O drow estava do lado
de fora apenas passando instruções. Arannis também se aproximava, assim como
Arthur. Todos se cumprimentaram de maneira sutil e ficaram observando os
garotos por um tempo. Suas feições estavam se formando, ambos já pareciam ter
cerca de doze anos, seus olhos pareciam desenvolver uma pupila agora,
diferenciando-se dos olhos de Arannis, Magusar e Malaggar.
- HAH!
Todos olharam espantados para o círculo, sem
conseguir notar qual das crianças gritara. Os quatro ficaram intrigados e
voltaram a prestar atenção, esperando que acontecesse novamente. Era a primeira
vez que ouviam qualquer som vindo da boca das crianças e ninguém estava de olho
para saber o que aconteceu. As crianças se entreolhavam, aparentemente confusas
também. A meio-elfa, aproveitando a situação séria, começou então a contar a
visão que teve em seu sonho.
Arannis seguiu seu exemplo e contou dos seus. Mas
era tudo muito estranho e confuso. Malaggar até arriscou algumas brincadeiras
sobre a sanidade da psiônica, mas também não tinha a menor ideia do que aquilo
poderia ser. Nenhum deles jamais ouvira falar sobre gigantes púrpura, tampouco
conseguiam entender as visões do eladrin. Estavam com um enigma bastante
desafiador em suas mãos, as cabeças trabalhando incessantemente em busca de
qualquer ideia.
Cansado de tentar pensar, Arthur entrou no círculo e
pediu para as crianças treinarem com ele. O tempo estava fechado e logo se
iniciou uma chuva. O paladino se distraíra por um momento com a conversa e fora
atingido pelos pequenos, que não tiveram a mesma sorte uma outra vez. Conforme
a chuva se intensificava, Alanna insistia para que os jovens eladrins se
protegessem, apesar da visível vontade de continuar treinando. O sacerdote azul
então encerrou o treino e os dispensou, se juntando aos outros debaixo do teto.
Uma tempestade parecia se formar, um vento forte
sacudia as estruturas da casa de maneira. Não viam uma tempestade dessas havia
muito tempo. Ao contrário dos outros, Arthur se sentia bastante confortável
nela. Relâmpagos iluminavam o céu e chamavam a atenção de todos de tempos em
tempos, trovões ribombavam distantes. Aquilo era música para os ouvidos do
paladino. Então um som estranho de explosão surgiu do lado de fora das muralhas
e um alarme soou.
O grupo correu até as muralhas da cidade, subindo as
ameias com pressa para ver o que acontecia. Alanna ficou aterrorizada, suas
visões se materializando à sua frente. Cerca de vinte e cinco ou trinta
gigantes púrpura lutavam do lado de fora da cidade, massacrando toda
resistência sem grande trabalho. O quarteto olhava espantado e sem reação,
incertos de como agir diante de uma ameaça com tanta disparidade.
- As crianças. Leve-as. Já! – Ordenou Celi na mente
do paladino.
- As crianças, precisamos tirar elas daqui! – Arthur
alertou com urgência.
Todos correram na direção da casa onde as crianças
estavam, questionamentos sobre as afirmações do humano surgiram, mas ninguém
queria pagar para ver e acharam melhor se precaver. Eles logo encontraram os
dois observando a tempestade com rostos preocupados quando os incitaram a
fugir. Podiam ouvir o som dos gigantes já passando pela muralha e chegando às
construções internas da cidade. Passaram pela sala de armas da guilda, onde
Arannis pegou duas espadas curtas e entregou aos protegidos.
- Agora é real, é de verdade. Se protejam se
necessário. – Ele alertou num tom sério.
As crianças tomaram as espadas em suas mãos e se
colocaram a correr com os adultos, todos apreensivos. Celi avisara para que
fugissem pela saída norte da cidade e eles seguiram nessa direção, consternados
com as palavras que Arthur repassava. Passaram por um lago artificial todo
cheio de aveia, provavelmente fruto da emergência que o ato era tradado. Ainda
ao norte da cidade correram pelos campos dourados de trigo, enquanto a chuva
apertava ainda mais, derrubando pássaros como nunca viram antes. Os relâmpagos
cegavam o grupo de tempos em tempos, mas eles não podiam fazer nada além de correr.
Os trovões seguiam bombardeando seus sentidos ao
longo da corrida desesperada. Alguns gigantes podiam ser vistos ao longe
conforme se afastavam da cidade. Aos poucos estavam sendo alcançados. A fuga os
levou até o pomar de cerejeiras, seus troncos quase se dobrando à vontade do
vento, alguns sendo fumegados por raios que caiam impiedosos. O frio tomava
conta do ambiente e todos tinham a impressão de que iriam congelar se as coisas
continuassem como estavam.
Quando os gigantes os avistaram, Celi indicou que
pulassem por uma cerca viva de arbustos. Novamente seguiram cegamente, agora
mais por desespero que por confiança no paladino. Do outro lado encontraram uma
escadaria larga que descia por vários metros. O musgo tomara conta de quase
toda sua extensão, sua existência oculta na natureza provavelmente por séculos.
Estavam começando a ficar sem fôlego quando avistaram a entrada para uma
caverna. Depois da insistência de Arthur, entraram na mesma, apesar do receio
de Alanna, preocupada com a visão que tivera no ano anterior.
Seguiram pela extensão da caverna, hora ou outra
olhando por cima dos ombros para ver que os gigantes já estavam bem próximos. O
desespero crescia ainda mais quando puderam notar que o grupo dos seres púrpura
estava quase completo, poucos haviam sido atrasados pelas forças da guilda.
Finalmente se depararam com uma parede, sem qualquer outra saída. Estavam
talhados na parede várias formas e desenhos antigos, alguns pareciam simbolizar
um lobo, outros simbolizavam machados e outros lembravam a forma de raios,
todos em volta de uma forma de arco.
As crianças se aproximaram da parede e, obstinadas,
retiraram seus amuletos, para o espanto dos quatro adultos. Eles começaram a
olhar em volta em desespero, como se esperassem ser fulminados por um raio
naquele exato momento. Os gigantes ainda se aproximavam, mas nada mais
acontecia. Eles encararam confusos os pequenos, que levaram as mãos os
desenhos, um de cada lado da forma de arco que estava desenhada na parede. Com
um brilho rápido, um portal se formou dentro da arcada talhada em pedra. Ele
brilhava num tom lilás e as crianças, com tons de voz autoritária, mandaram que
atravessassem logo. Ainda que hesitantes, obedeceram.
Os quatro ficaram abismados ao se dar conta de onde
estavam. Havia uma forma de metal azulado que sustentava o portal e, além dele,
uma escadaria, também metálica, serpenteava em forma de espiral para cima. Não
havia paredes, não havia corrimão. O vento era forte e ameaçava empurrá-los, o
que seria uma queda fatal. Estavam a milhares de metros do chão. Abaixo deles,
viram uma espécie domo de nuvens brancas cercado pelo mar. Próximo à borda dele
estava um iceberg gigantesco que os lembrou do quão frio fazia ali em cima.
- Subam! – As crianças insistiram depois de
atravessar o portal.
A subida era penosa, sem qualquer apoio e com o gelo
se formando nos degraus de metal. Era impossível não temer tal subida, estavam
incertos se tremiam pelo frio ou pelo medo. Os gigantes também haviam passado
pelo portal e isso aumentou seu senso de urgência. Após várias voltas subindo
pela espiral, chegaram até um enorme salão elíptico que lembrava um altar
invertido. Suas bordas eram feitas do mesmo metal azulado da escadaria e
sustentavam enormes pilares metálicos que subiam por vários metros, sua superfície
cheia de entalhes. A distância do solo ao teto era tanta que poderiam colocar
duas ou três catedrais naquele espaço.
Não haviam paredes, estavam recebendo o tempo
diretamente, chuva, granizo, vento e relâmpagos dançando à frente. No centro, o
solo era de algo como o vidro, transparente, e a visão do mundo a milhares de
metros de distância tornava o lugar ainda mais surreal. No lado oposto ao da
escadaria subia uma plataforma redonda com vários degraus, nela estava um trono
enorme do mesmo metal azul, com formas arredondadas. Ao lado do trono havia um
pilar pequeno, com uma altura próxima a dois metros. De onde estavam não
conseguiam ver o que estava em seu topo.
- Sigam para lá! – Apontou o garoto.
- Por que? E vocês? – Questionou Alanna.
- Só vão, vamos tentar dar um jeito. – Explicou a
garota.
Os gigantes púrpura estavam subindo a escadaria com
mais dificuldade que eles, pulando os últimos degraus com teleporte. Todos
usavam armaduras leves e carregavam grandes armas, tendo cerca de três metros e
meio na média. Seu líder tinha mais de cinco metros e usava uma armadura mais
imponente, mas ainda de couro. Tinha uma barba grande e branca, que se
destacava sobre sua pele púrpura cheia de tatuagens turquesa. O quarteto
começou a corrida na direção da plataforma do outro lado, as crianças pararam
com suas novas espadas em punho.
- Meu nome é Emrys. – O garoto falou por sobre os
ombros.
- Eillyn. – Se apresentou a garota. – Muito obrigado
por tudo que fizeram até agora.
Os gigantes começaram a avançar e os garotos
mostraram habilidade na luta. Agora pareciam estar mais leves e cientes, sem
qualquer inibição. Ainda não eram fortes, mas aprenderam bem. Suando com o
esforço, Emrys esticou a mão direita à frente em forma de garra e todos viram
um brilho lilás tomar a forma de um portal, sugando o que estava próximo. Um
dos gigantes foi tragado e o portal se fechou, tirando ele definitivamente
dali. O restante dos gigantes hesitou por um tempo.
- O pilar ao lado do trono. Corra! – Celi apressava
Arthur.
Aproveitando a distração criada pelo garoto, o líder
dos gigantes se teleportou para o lado da garota e a aprisionou com suas mãos
enormes, apertando-a. Ao ouvir o grito de dor da garota, Alanna, Arannis e
Malaggar pararam a corrida e se viraram, tentados a ajudar. O paladino seguia
correndo o máximo que podia na direção do pilar. Eillyn olhou em volta, seus
sentidos começando a fraquejar, então num instante ela desapareceu. O líder dos
gigantes olhava para as próprias mãos confuso.
Emrys aproveitou da confusão para repetir seu
movimento anterior, ofegante. O portal se abriu às costas do líder dos
gigantes, sua força de sucção arrastando-o para trás. Mas ele era maior e muito
mais forte, conseguia resistir. O garoto suava muito enquanto tentava manter o
portal ativo e o ser púrpura lutava com todas as forças para não ceder, mas viu
que não conseguiria. Seus pés saíram do chão e ele começou a ser sugado, então
usou a corrente que tinha como arma e, disposto a não perder, lançou-a na
direção do jovem.
A corrente se enrolou na perna do garoto, que
exausto pelo esforço não conseguira reagir a tempo. Ambos foram sugados para
dentro do portal, que se fechou logo em seguida com um brilho lilás. O trio que
havia parado a alguns metros da luta olhava estupefato. Perderam ambas as
crianças quase que num piscar de olhos. Arthur já estava subindo os degraus da
plataforma elevada, notando que acima do pilar que buscava estava um machado.
Ele era inteiro de metal, do cabo à cabeça, o mesmo metal azul da construção.
Sua forma lembrava um raio.
- Finalmente! – A voz de Celi ecoou ansiosa na mente
do paladino.
Perdendo o controle do próprio corpo, o humano viu
suas mãos irem até o machado. De perto podia ver que descargas elétricas
percorriam aquele metal e sentiu uma grande dor seguida de um formigamento em
seus membros quando suas mãos o tocaram. O trio que ficara para trás tentava
alcançar a plataforma conforme os gigantes os seguiam de perto, suas expressões
de irritação estampadas nos rostos violeta. Celi levava o corpo de Arthur na
direção dos gigantes, um grande sorriso tomava seu rosto.
O corpo do paladino ergueu o machado com as duas
mãos acima da cabeça e o lançou com um grito estranho, como se duas vozes
saíssem simultaneamente de sua boca. Assim que o machado saiu de sua mão, foi
como se ele assumisse a forma de um raio, ricocheteando pelo ar e numa fração
de segundo chegando até onde os gigantes estavam, passando pelos companheiros.
No momento em que ia se chocar com os gigantes, um raio enorme desceu dos céus
certeiro, gerando um clarão que cegou a todos por alguns segundos, seguido de
um estrondo avassalador que pareceu fazer tremer toda aquela construção
incomum. Arthur se sentiu completamente sozinho pela primeira vez.
Os olhos de todos ainda tentavam se recuperar do
clarão quando sentiram uma força extrema empurrando de cima para baixo, colando
seus corpos no chão de vidro sem que pudessem ter qualquer chance de resistir. A
eletricidade passava por seus corpos, deixando seus músculos dormentes. Quando
tiveram sua visão restaurada puderam ver uma ilha logo abaixo, o domo enevoado
havia desaparecido. O iceberg ao seu lado estava em pedaços, parecia que tinha
explodido, enviando pedaços por todos os lados no mar. Com muita dificuldade
eles conseguiram erguer a cabeça, curiosos com o que acontecera aos inimigos.
Dos gigantes apenas as cinzas sobraram. No local
onde eles estavam antes, uma figura se erguia imponente. Com cerca de dois
metros e trinta, um ser que se assemelhava a um elfo estava observando-os. Seus
músculos eram muito grandes para um elfo, tal como sua estatura. Ele tinha um
longo cabelo azul, mesma cor de sua barba cheia e tom predominante de suas
vestes. O machado estava em sua mão enquanto seus aterrorizantes olhos azuis
varriam o lugar. A eletricidade que brilhava antes no machado agora se estendia
a todo seu corpo. O céu estava totalmente escurecido com as nuvens carregadas e
a tempestade de raios parecia se intensificar ainda mais. A cada passo dele na
direção do grupo, a fúria dos céus estourava em seus ouvidos.
- WHO ARE YOU?
– Ele inquiriu, sua voz grave como um trovão.
- Nós não entendemos. – Os quatro disseram, se
encolhendo de medo.
- WHAT ARE YOU DOING HERE? – Ele insistiu na língua antiga.
O quarteto nada podia fazer. Seus corpos colados ao
chão, a pressão se intensificando conforme pequenas faíscas continuavam a
pipocar à sua volta. Ele havia parado perto de onde seus corpos estavam,
olhando em volta como se também estivesse confuso com os acontecimentos. Sua postura
era imperial. O ar a sua volta era diferente e todos se encontraram prendendo o
fôlego por puro reflexo. Então um som metálico se deu atrás deles. O esforço
para virar a cabeça era gigantesco, antes que pudessem visualizar do que se
tratava, ouviram uma bela voz feminina. O paladino reconheceu de imediato.
- I’m here,
father.
Em seguida puderam finalmente olhar para a recém-chegada.
Ela era alta e parecia ser uma meio-elfa. Seus cabelos eram longos e ondulados,
num tom dourado que conforme se aproximava das pontas ia ficando azul. Seus
olhos eram de um azul vibrante, diferente da maioria das pessoas. Ela vestia
apenas tecidos, vários tons azuis diferentes. Havia um pouco de couro em partes
mais pontuais, como antebraços e pernas. Suas vestes eram bastante intrincadas,
mesmo Alanna jamais havia visto aquele tipo de corte. Em suas costas estava uma
foice completamente dourada, pequenos raios percorrendo sua lâmina, mas sem a
mesma intensidade vista no machado que a entidade segurava. Ela tinha o sorriso
debochado que Arthur sempre imaginara.
Os dois tiveram uma conversa rápida ainda na língua
antiga enquanto o quarteto de Silverhawks seguia tentando suportar a pressão
imensa que caía sobre seus músculos. Então um novo raio caiu no altar adiante e
a pressão sumiu, aquela entidade estava no exato local onde o raio caíra, já
longe do grupo. A loura então passou pelos quatro, que começavam a se levantar,
ainda que com dificuldades. Seus corpos estavam exaustos e encharcados, não só
pela chuva, mas também com suor. O frio que fazia ali também não dava trégua e,
apesar de ter diminuído com a chegada do dono do machado, ainda era muito forte
para eles.
- Vamos, vocês precisam partir. – Ela disse enquanto
passava por eles.
- Certo. – Seguiram-na cambaleando, hesitantes.
- Eu sou Teresa. Teresa Hymynhäive. Devo
agradecê-lo, Arthur.
- Eu preferia Celi... – Murmurou o paladino.
- E as crianças? – Perguntou Alanna.
- Se foram. – Teresa baixou a cabeça. – Não estão
mais aqui.
- Aqui?
- Não estão mais neste mundo. Eles se teleportaram
para outro plano, podem estar em qualquer lugar.
- Não as veremos mais? – A psiônica insistiu.
- Isso depende de vocês. E delas. – Teresa respondeu
calmamente enquanto caminhavam até as escadarias.
- E agora? – Perguntou Arthur.
- Agora vocês estão livres e podem ir para onde
quiserem. Eu aconselho a você Daarmstagg. Lá você encontrará outros como nós,
eles nunca deixaram de ser leais ao nosso senhor.
- E onde fica esse lugar? – Os degraus mais altos da
escadaria já ficando para trás.
- Longe. Muito longe, ao leste. Na costa nordeste do
continente. Mas fique atento, podemos precisar de você.
- Entendido.
- Nosso senhor voltou e vingança deve ser feita. Mas
este é o momento de agir com inteligência. Seis contra um é muito desfavorável.
- Hmm. – Malaggar ouvia a toda a conversa
atentamente.
- Pode contar isso para seus amigos, Malaggar. Nós
voltamos. – Ela disse sorrindo com uma expressão de tranquilidade, para o
espanto do drow.
- O que está acontecendo exatamente? – Alanna não
entendia o que estava sendo dito.
- Agora é melhor que vocês partam. Preciso voltar
para meu pai. Boa sorte.
A sacerdotisa azul apontou para o portal ao fim da
escadaria, que brilhava lilás novamente. Os quatro passaram por ele, a mesma
sensação estranha tomando conta de seus corpos, como se seus corpos fossem separados
e então restaurados. Logo estavam de volta à caverna e à parede onde os
símbolos estavam talhados em pedra. Quando deixavam a caverna algumas figuras
encapuzadas de azul passaram por eles, cada um fazendo um cumprimento
respeitoso a Arthur. Conforme se aproximavam da escadaria que levava de volta
aos arbustos encontravam mais e mais encapuzados. O paladino sabia que seus
semelhantes se reuniam pela glória do retorno de seu deus. Thoriann estava de
volta e queria vingança. A tempestade chegou.

Caraca, vamos sair da ilha pelo que parece, não queria não!
ResponderExcluirO desenho é o deus do Arthur?
ResponderExcluirEssa conversa dele e com a Loira todos ouviram?
O jogo vai começar a esquentar Fleara preciso de sua ajuda ! ahsuhsashuhs
Enfim conhecer o outro continente e possivel saber mais e como perdi minha memórias.
Sim e sim.
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