sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Epílogo

Capítulo 15.5

2017: Janasys 3.
Alanna estava numa espécie de corredor iluminado por algum tipo incomum de luz violeta, que vinha do teto. As paredes eram de metal, frio e cinzento. Quando ela começava a se interessar em explorar o local, ouviu barulhos de um dos lados. Prestando atenção a ele, viu novamente aqueles gigantes púrpura. Dois deles, bem armados e com armaduras tapando parte das inscrições arcanas em sua pele escura.
Atrás dos dois gigantes, ambos machos, vinha uma figura encapuzada. Aquela pessoa era alta, mas menor que os gigantes. Parecia ter cerca de dois metros e vinte. Seus passos eram graciosos e mal faziam barulho, era quase como se seus pés sequer tocassem o solo frio de metal. Escondendo seu corpo no manto, que se alongava até o chão, se arrastando pelo mesmo. Atrás do encapuzado vinham mais dois gigantes tão bem armados quanto os da frente.
A comitiva passava decidida, parecia não notar sua existência. Os dois primeiros gigantes passaram e então veio a figura encapuzada. Graças ao ângulo baixo, conseguiu ver olhos violetas que brilhavam na escuridão do capuz. Logo os dois outros gigantes passaram também e ela aproveitou para segui-los, curiosa. O quinteto chegou até uma das extremidades do corredor, onde uma porta de vidro se abriu automaticamente, como se por mágica, suas duas folhas se afastando do centro onde se encontravam.
Toda a comitiva passou para a sala seguinte e a porta se fechou, mantendo a meio-elfa no corredor. Para sua sorte, podia enxergar a sala dali. Havia uma plataforma elevada em forma de circunferência, uma espécie de fosso separando-a de um outro círculo que ficava levemente acima do solo, apenas um degrau. Dentro do círculo, em posições opostas, estavam oito gigantes púrpura, estes sem armadura nem armas. Estavam todos abaixados, um dos joelhos no chão, o outro sustentando o braço dobrado, suas cabeças voltadas ao chão. Aparentemente eles deviam reverência ao encapuzado.
A figura encapuzada sumiu e num instante reapareceu na plataforma central. Os gigantes de armadura postados no lado oposto à porta, de costas para a plataforma. A cena ficava cada vez mais confusa sob a luz violeta que emanava do teto e de alguns pontos das paredes daquela sala. Então o manto caiu, revelando uma figura feminina. Ela tinha longos cabelos brancos, o corpo belo e bem esculpido.
Então Alanna finalmente se deu conta. Uma das pernas da mulher parecia cristalizada. Não parecia uma pele de cristal que se formava em torno do membro, mas sim que o próprio membro havia se tornado cristal, dando uma aparência grotesca a ela. Numa das mãos o mesmo fenômeno se fazia presente, formando uma garra assustadora. Quando ela se virou em sua direção, pôde notar que uma de suas longas orelhas também estava cristalizada, assim como um de seus seios. Então fechou os olhos, assim como os oito gigantes púrpura.
De repente, uma energia violeta começou a fluir do corpo da mulher para as mãos dos gigantes, que estendiam os braços em sua direção. Esta situação continuou por vários minutos, o suor tomando conta do corpo da mulher, que tinha o corpo suspenso no ar conforme a energia continuava a fluir. Quando finalmente acabou, uma explosão de energia violeta tomou o local, apagando toda as luzes por alguns segundos, até que elas retornaram aos poucos.
A mulher ainda estava de pé no centro da plataforma, seu corpo ofegante. Ela não tinha mais nenhuma parte do corpo cristalizada, parecia novamente uma criatura de carne e osso. Os oito gigantes ao seu redor sorriam enquanto se abaixavam em nova reverência, desta vez ambos joelhos iam ao chão enquanto seu torso se dobrava à frente, suas testas tocando o metal frio do solo. Um dos soldados estava ao lado da mulher com o manto em mãos. Ágil e já recomposta, ela logo cobriu seu corpo. Seu olhar procurava algo, até que seus olhos encontraram com os de Alanna.
A meio-elfa despertou desnorteada e amedrontada. Sentira que aqueles olhos podiam ver fundo em sua alma e dobrá-la à sua vontade. Demorou algum tempo até que se tranquilizasse e se desse conta de que estava segura em Scottner. A garota estava olhando com os olhos lilases arregalados do outro lado do quarto, em sua pose típica do transe. Ela e o irmão já estavam parecendo ter por volta de doze ou treze anos, crescendo num ritmo incomum e até agora com razões desconhecidas.

...

2017: Janasys 6.
Em seu transe habitual, Arannis aproveitava para recapitular todos acontecimentos recentes. Pensava sobre a viagem passada, suas investidas em Alanna e sentiu-se cansado. Ele havia ficado um pouco entediado com os trabalhos simples que teve por meses, mas a viagem a Tomhills se provou uma missão bastante complicada. Ele sentia como se perdesse o controle das coisas. Agora estava de volta a Scottner e talvez tivesse mais alguns meses de descanso. Estava próximo das crianças novamente.
Arannis se sentia leve. O vento trepidava seus cabelos e suas vestes de tons claros, como sempre usara por toda a vida. Ao abrir os olhos, se dá conta do quão fantástico era aquilo. Sob ele estava uma criatura majestosa, suas belas escamas de aço refletindo a lua cheia. Estavam sentados num círculo em cima do dorso da criatura. Um amigo, não apenas uma criatura. Aquele dragão lhe era muito querido e o eladrin sentia que devia muito a ele. Faces amigáveis olhavam para o centro do círculo, como ele próprio fazia. Sentia que finalmente se despediria daquele mundo, que ficava cada dia mais cinzento desde a partida de sua amada companheira.
Logo ao seu lado esquerdo estava um elfo, os cabelos castanhos presos num coque que derramava suas madeixas sobre as aljavas de flechas em suas costas. Ao lado dele um arco repousava. Indo mais além estava outro eladrin, mago, vestes esvoaçantes e uma expressão de concentração enquanto seus longos cabelos prateados trepidavam em sua direção. Seu cajado descansava em seu colo enquanto suas mãos o giravam distraidamente. Indo além estava um halfling de olhar divertido, suas tranças balançando ao vento. Ao lado do halfling, outra criatura fantástica: um vampiro. Ele conhecia aquele vampiro havia muito tempo, suas vestes cinzentas impecáveis se dobrando à vontade do vento, tal como seus cabelos brancos. Seu rosto era austero.
Ao lado do vampiro vinha a pessoa mais familiar da comitiva: seu pupilo, olhos azuis determinados enquanto seu cabelo dourado lutava para escapar da fita azul que o prendia. Seu par de adagas chamava atenção. Ele estava abraçado à amada, a cabeça dela em seu ombro. Ela tinha a aparência de uma elfa, belíssima, de cabelos castanhos e olhos verdes. Ela vestia um couro justo e tinha um olhar aterrorizante. Já estava acostumado a ele e também sabia a razão: amaldiçoada, ela era um dragão preso num corpo de elfa. Logo à sua direita, então, vinha a humana. Seus cabelos negros eram muito lisos e seus olhos eram muito horizontais, típicos dos povos do extremo oriente. Ela parecia muito concentrada.
- Aqui está seu plano B. – O halfling tirou de sua mochila algumas poções azuladas. – Ao tomar isto, vocês poderão voar por algum tempo. Mas tentem poupar para a necessidade. Se forem cair, usem. – Ele distribui os frascos entre a comitiva.
- Ou, quem quiser desistir, pode usar agora e voltar. – Comentou o eladrin de cabelos dourados. – Sei do risco que todos estão correndo vindo nesta batalha por mim, não é nenhuma vergonha voltar. – Ele deu de ombros.
- Como vocês sabem, se morrerem no Atoleiro, seus espíritos serão atraídos e seus corpos terão que ser destruídos para que não se tornem mais um nas legiões de mortos. Não há chance de ressurreição. – Completou a elfa friamente.
Todos assentiram, cientes do risco que corriam. Mas ninguém estava disposto a fugir. Iriam lutar pelo seu amigo e por tudo que ele inspirava no mundo. Lutariam porque acreditavam que ele poderia colocar um fim à guerra que se prolongava havia décadas e punia todo o povo inocente. Arannis sabia que seu pupilo jamais recuaria e que entenderia uma recusa em seguir, mas ele estava disposto a ir até o final. Estava neste mundo havia muito tempo já e não via a hora de se reencontrar com sua amada. Passar para o outro lado era tudo que ele mais queria agora. Iria lutando, iria com honra.
Ele via sua determinação espelhada no rosto de todos. Abaixo de onde passavam via as luzes de milhares de fogueiras, mas não conseguia discernir as máquinas de cerco e todos os soldados que esperavam pela batalha. Enfrentariam uma força de dragões nos céus e tentariam usá-la para limpar os mortos-vivos da região. Armas de cerco foram colocadas próximas ao limite do Atoleiro e os soldados das fronteiras as usariam para bombardear dragões e mortos-vivos. Todos ficaram de pé conforme se aproximavam do local da batalha, o miasma roxo cobrindo a região muito abaixo deles.
- Eu sou muito grato a todos vocês. São grandes amigos e estão entre as pessoas mais valiosas para mim. – Sorriu seu pupilo, se esforçando para fazer-se ouvir acima do som do vento e da batida das asas de seu amigo dragão. – Cada um de vocês foi responsável por algum tipo de aprendizado em minha vida e por isso serei eternamente grato. Se não estivermos todos vivos ao final da batalha, saibam que lutar ao lado de vocês foi a maior honra de minha vida. Agora vamos lá acabar com a raça desses dragões e limpar nossas terras dos mortos-vivos!
O círculo se desfez e todos olharam ansiosos para o horizonte escuro. Com um sinal do dragão que os carregava, todos ficaram a postos. A velocidade ia diminuindo, haviam passado pelas ruínas de Tallasys havia pouco tempo, a pobre cidade que sucumbira à horda morta-viva que a engoliu em poucos dias sem seus maiores defensores, levando um dos grandes amigos do herói. Já era possível enxergar os inimigos. Arannis se impressionou com a quantidade de dragões voando em sua direção, estava certo de que eram mais de quarenta dragões liderados pela Dracônica. Sua hora estava chegando.
Animado e ao mesmo tempo receoso, o eladrin abriu os olhos e viu que se encontrava novamente em seu dormitório em Scottner. Estava intrigado com essas visões ou sonhos, aquilo era espantoso, pois como não dormia, não conhecia esse tipo de sensação. Ele precisou de bastante tempo para voltar a ficar tranquilo e entrar em transe novamente, fazia todo possível para deixar de pensar no que acabara de ver, mas era difícil. Ainda iria entender isso, mas não agora.

...

2017: Jansys 8. Malaggar foi o primeiro a encontrar as crianças depois de deixar seu transe. Ele então as convidou para o treinamento, como vinha fazendo há algum tempo. Já não fazia mais tanta questão de esconder isso. Todos se prepararam e foram para o círculo feito na terra logo à frente da casa onde estavam ficando nesses últimos meses. Finalmente tinham um dia de folga e se reuniram novamente. Assim como no longo período anterior que passaram trabalhando em funções diferentes, dessa vez tiveram o mesmo tipo de tarefas atribuídas individualmente.
Scottner já tinha todas as construções essenciais. Bancos, tavernas, templos, entre outros. A muralha de pedra também estava finalizada. Enfim começavam a se focar em moradias tradicionais. As minas já trabalhavam num ritmo moderado e a cidade finalmente começava a andar por conta própria. Como previsto por Scott, realmente parecia uma era dourada para uma cidade que até pouco tempo estivera esquecida nas mãos de orcs e rodeada de goblinoides. Naquele horário as ruas eram quase desertas, as crianças já estavam vestidas e com suas espadas de madeira em mãos enquanto o drow os esperava no centro do círculo.

...

Alanna despertara e logo ouvira os sons do treinamento das crianças nos arredores. Preocupada com o zelo de Malaggar, ela foi até o círculo onde os dois pequenos lutavam entre si. O drow estava do lado de fora apenas passando instruções. Arannis também se aproximava, assim como Arthur. Todos se cumprimentaram de maneira sutil e ficaram observando os garotos por um tempo. Suas feições estavam se formando, ambos já pareciam ter cerca de doze anos, seus olhos pareciam desenvolver uma pupila agora, diferenciando-se dos olhos de Arannis, Magusar e Malaggar.
- HAH!
Todos olharam espantados para o círculo, sem conseguir notar qual das crianças gritara. Os quatro ficaram intrigados e voltaram a prestar atenção, esperando que acontecesse novamente. Era a primeira vez que ouviam qualquer som vindo da boca das crianças e ninguém estava de olho para saber o que aconteceu. As crianças se entreolhavam, aparentemente confusas também. A meio-elfa, aproveitando a situação séria, começou então a contar a visão que teve em seu sonho.
Arannis seguiu seu exemplo e contou dos seus. Mas era tudo muito estranho e confuso. Malaggar até arriscou algumas brincadeiras sobre a sanidade da psiônica, mas também não tinha a menor ideia do que aquilo poderia ser. Nenhum deles jamais ouvira falar sobre gigantes púrpura, tampouco conseguiam entender as visões do eladrin. Estavam com um enigma bastante desafiador em suas mãos, as cabeças trabalhando incessantemente em busca de qualquer ideia.
Cansado de tentar pensar, Arthur entrou no círculo e pediu para as crianças treinarem com ele. O tempo estava fechado e logo se iniciou uma chuva. O paladino se distraíra por um momento com a conversa e fora atingido pelos pequenos, que não tiveram a mesma sorte uma outra vez. Conforme a chuva se intensificava, Alanna insistia para que os jovens eladrins se protegessem, apesar da visível vontade de continuar treinando. O sacerdote azul então encerrou o treino e os dispensou, se juntando aos outros debaixo do teto.
Uma tempestade parecia se formar, um vento forte sacudia as estruturas da casa de maneira. Não viam uma tempestade dessas havia muito tempo. Ao contrário dos outros, Arthur se sentia bastante confortável nela. Relâmpagos iluminavam o céu e chamavam a atenção de todos de tempos em tempos, trovões ribombavam distantes. Aquilo era música para os ouvidos do paladino. Então um som estranho de explosão surgiu do lado de fora das muralhas e um alarme soou.
O grupo correu até as muralhas da cidade, subindo as ameias com pressa para ver o que acontecia. Alanna ficou aterrorizada, suas visões se materializando à sua frente. Cerca de vinte e cinco ou trinta gigantes púrpura lutavam do lado de fora da cidade, massacrando toda resistência sem grande trabalho. O quarteto olhava espantado e sem reação, incertos de como agir diante de uma ameaça com tanta disparidade.
- As crianças. Leve-as. Já! – Ordenou Celi na mente do paladino.
- As crianças, precisamos tirar elas daqui! – Arthur alertou com urgência.
Todos correram na direção da casa onde as crianças estavam, questionamentos sobre as afirmações do humano surgiram, mas ninguém queria pagar para ver e acharam melhor se precaver. Eles logo encontraram os dois observando a tempestade com rostos preocupados quando os incitaram a fugir. Podiam ouvir o som dos gigantes já passando pela muralha e chegando às construções internas da cidade. Passaram pela sala de armas da guilda, onde Arannis pegou duas espadas curtas e entregou aos protegidos.
- Agora é real, é de verdade. Se protejam se necessário. – Ele alertou num tom sério.
As crianças tomaram as espadas em suas mãos e se colocaram a correr com os adultos, todos apreensivos. Celi avisara para que fugissem pela saída norte da cidade e eles seguiram nessa direção, consternados com as palavras que Arthur repassava. Passaram por um lago artificial todo cheio de aveia, provavelmente fruto da emergência que o ato era tradado. Ainda ao norte da cidade correram pelos campos dourados de trigo, enquanto a chuva apertava ainda mais, derrubando pássaros como nunca viram antes. Os relâmpagos cegavam o grupo de tempos em tempos, mas eles não podiam fazer nada além de correr.
Os trovões seguiam bombardeando seus sentidos ao longo da corrida desesperada. Alguns gigantes podiam ser vistos ao longe conforme se afastavam da cidade. Aos poucos estavam sendo alcançados. A fuga os levou até o pomar de cerejeiras, seus troncos quase se dobrando à vontade do vento, alguns sendo fumegados por raios que caiam impiedosos. O frio tomava conta do ambiente e todos tinham a impressão de que iriam congelar se as coisas continuassem como estavam.
Quando os gigantes os avistaram, Celi indicou que pulassem por uma cerca viva de arbustos. Novamente seguiram cegamente, agora mais por desespero que por confiança no paladino. Do outro lado encontraram uma escadaria larga que descia por vários metros. O musgo tomara conta de quase toda sua extensão, sua existência oculta na natureza provavelmente por séculos. Estavam começando a ficar sem fôlego quando avistaram a entrada para uma caverna. Depois da insistência de Arthur, entraram na mesma, apesar do receio de Alanna, preocupada com a visão que tivera no ano anterior.
Seguiram pela extensão da caverna, hora ou outra olhando por cima dos ombros para ver que os gigantes já estavam bem próximos. O desespero crescia ainda mais quando puderam notar que o grupo dos seres púrpura estava quase completo, poucos haviam sido atrasados pelas forças da guilda. Finalmente se depararam com uma parede, sem qualquer outra saída. Estavam talhados na parede várias formas e desenhos antigos, alguns pareciam simbolizar um lobo, outros simbolizavam machados e outros lembravam a forma de raios, todos em volta de uma forma de arco.
As crianças se aproximaram da parede e, obstinadas, retiraram seus amuletos, para o espanto dos quatro adultos. Eles começaram a olhar em volta em desespero, como se esperassem ser fulminados por um raio naquele exato momento. Os gigantes ainda se aproximavam, mas nada mais acontecia. Eles encararam confusos os pequenos, que levaram as mãos os desenhos, um de cada lado da forma de arco que estava desenhada na parede. Com um brilho rápido, um portal se formou dentro da arcada talhada em pedra. Ele brilhava num tom lilás e as crianças, com tons de voz autoritária, mandaram que atravessassem logo. Ainda que hesitantes, obedeceram.
Os quatro ficaram abismados ao se dar conta de onde estavam. Havia uma forma de metal azulado que sustentava o portal e, além dele, uma escadaria, também metálica, serpenteava em forma de espiral para cima. Não havia paredes, não havia corrimão. O vento era forte e ameaçava empurrá-los, o que seria uma queda fatal. Estavam a milhares de metros do chão. Abaixo deles, viram uma espécie domo de nuvens brancas cercado pelo mar. Próximo à borda dele estava um iceberg gigantesco que os lembrou do quão frio fazia ali em cima.
- Subam! – As crianças insistiram depois de atravessar o portal.
A subida era penosa, sem qualquer apoio e com o gelo se formando nos degraus de metal. Era impossível não temer tal subida, estavam incertos se tremiam pelo frio ou pelo medo. Os gigantes também haviam passado pelo portal e isso aumentou seu senso de urgência. Após várias voltas subindo pela espiral, chegaram até um enorme salão elíptico que lembrava um altar invertido. Suas bordas eram feitas do mesmo metal azulado da escadaria e sustentavam enormes pilares metálicos que subiam por vários metros, sua superfície cheia de entalhes. A distância do solo ao teto era tanta que poderiam colocar duas ou três catedrais naquele espaço.
Não haviam paredes, estavam recebendo o tempo diretamente, chuva, granizo, vento e relâmpagos dançando à frente. No centro, o solo era de algo como o vidro, transparente, e a visão do mundo a milhares de metros de distância tornava o lugar ainda mais surreal. No lado oposto ao da escadaria subia uma plataforma redonda com vários degraus, nela estava um trono enorme do mesmo metal azul, com formas arredondadas. Ao lado do trono havia um pilar pequeno, com uma altura próxima a dois metros. De onde estavam não conseguiam ver o que estava em seu topo.
- Sigam para lá! – Apontou o garoto.
- Por que? E vocês? – Questionou Alanna.
- Só vão, vamos tentar dar um jeito. – Explicou a garota.
Os gigantes púrpura estavam subindo a escadaria com mais dificuldade que eles, pulando os últimos degraus com teleporte. Todos usavam armaduras leves e carregavam grandes armas, tendo cerca de três metros e meio na média. Seu líder tinha mais de cinco metros e usava uma armadura mais imponente, mas ainda de couro. Tinha uma barba grande e branca, que se destacava sobre sua pele púrpura cheia de tatuagens turquesa. O quarteto começou a corrida na direção da plataforma do outro lado, as crianças pararam com suas novas espadas em punho.
- Meu nome é Emrys. – O garoto falou por sobre os ombros.
- Eillyn. – Se apresentou a garota. – Muito obrigado por tudo que fizeram até agora.
Os gigantes começaram a avançar e os garotos mostraram habilidade na luta. Agora pareciam estar mais leves e cientes, sem qualquer inibição. Ainda não eram fortes, mas aprenderam bem. Suando com o esforço, Emrys esticou a mão direita à frente em forma de garra e todos viram um brilho lilás tomar a forma de um portal, sugando o que estava próximo. Um dos gigantes foi tragado e o portal se fechou, tirando ele definitivamente dali. O restante dos gigantes hesitou por um tempo.
- O pilar ao lado do trono. Corra! – Celi apressava Arthur.
Aproveitando a distração criada pelo garoto, o líder dos gigantes se teleportou para o lado da garota e a aprisionou com suas mãos enormes, apertando-a. Ao ouvir o grito de dor da garota, Alanna, Arannis e Malaggar pararam a corrida e se viraram, tentados a ajudar. O paladino seguia correndo o máximo que podia na direção do pilar. Eillyn olhou em volta, seus sentidos começando a fraquejar, então num instante ela desapareceu. O líder dos gigantes olhava para as próprias mãos confuso.
Emrys aproveitou da confusão para repetir seu movimento anterior, ofegante. O portal se abriu às costas do líder dos gigantes, sua força de sucção arrastando-o para trás. Mas ele era maior e muito mais forte, conseguia resistir. O garoto suava muito enquanto tentava manter o portal ativo e o ser púrpura lutava com todas as forças para não ceder, mas viu que não conseguiria. Seus pés saíram do chão e ele começou a ser sugado, então usou a corrente que tinha como arma e, disposto a não perder, lançou-a na direção do jovem.
A corrente se enrolou na perna do garoto, que exausto pelo esforço não conseguira reagir a tempo. Ambos foram sugados para dentro do portal, que se fechou logo em seguida com um brilho lilás. O trio que havia parado a alguns metros da luta olhava estupefato. Perderam ambas as crianças quase que num piscar de olhos. Arthur já estava subindo os degraus da plataforma elevada, notando que acima do pilar que buscava estava um machado. Ele era inteiro de metal, do cabo à cabeça, o mesmo metal azul da construção. Sua forma lembrava um raio.
- Finalmente! – A voz de Celi ecoou ansiosa na mente do paladino.
Perdendo o controle do próprio corpo, o humano viu suas mãos irem até o machado. De perto podia ver que descargas elétricas percorriam aquele metal e sentiu uma grande dor seguida de um formigamento em seus membros quando suas mãos o tocaram. O trio que ficara para trás tentava alcançar a plataforma conforme os gigantes os seguiam de perto, suas expressões de irritação estampadas nos rostos violeta. Celi levava o corpo de Arthur na direção dos gigantes, um grande sorriso tomava seu rosto.
O corpo do paladino ergueu o machado com as duas mãos acima da cabeça e o lançou com um grito estranho, como se duas vozes saíssem simultaneamente de sua boca. Assim que o machado saiu de sua mão, foi como se ele assumisse a forma de um raio, ricocheteando pelo ar e numa fração de segundo chegando até onde os gigantes estavam, passando pelos companheiros. No momento em que ia se chocar com os gigantes, um raio enorme desceu dos céus certeiro, gerando um clarão que cegou a todos por alguns segundos, seguido de um estrondo avassalador que pareceu fazer tremer toda aquela construção incomum. Arthur se sentiu completamente sozinho pela primeira vez.
Os olhos de todos ainda tentavam se recuperar do clarão quando sentiram uma força extrema empurrando de cima para baixo, colando seus corpos no chão de vidro sem que pudessem ter qualquer chance de resistir. A eletricidade passava por seus corpos, deixando seus músculos dormentes. Quando tiveram sua visão restaurada puderam ver uma ilha logo abaixo, o domo enevoado havia desaparecido. O iceberg ao seu lado estava em pedaços, parecia que tinha explodido, enviando pedaços por todos os lados no mar. Com muita dificuldade eles conseguiram erguer a cabeça, curiosos com o que acontecera aos inimigos.
Dos gigantes apenas as cinzas sobraram. No local onde eles estavam antes, uma figura se erguia imponente. Com cerca de dois metros e trinta, um ser que se assemelhava a um elfo estava observando-os. Seus músculos eram muito grandes para um elfo, tal como sua estatura. Ele tinha um longo cabelo azul, mesma cor de sua barba cheia e tom predominante de suas vestes. O machado estava em sua mão enquanto seus aterrorizantes olhos azuis varriam o lugar. A eletricidade que brilhava antes no machado agora se estendia a todo seu corpo. O céu estava totalmente escurecido com as nuvens carregadas e a tempestade de raios parecia se intensificar ainda mais. A cada passo dele na direção do grupo, a fúria dos céus estourava em seus ouvidos.
- WHO ARE YOU? – Ele inquiriu, sua voz grave como um trovão.
- Nós não entendemos. – Os quatro disseram, se encolhendo de medo.
- WHAT ARE YOU DOING HERE? – Ele insistiu na língua antiga.
O quarteto nada podia fazer. Seus corpos colados ao chão, a pressão se intensificando conforme pequenas faíscas continuavam a pipocar à sua volta. Ele havia parado perto de onde seus corpos estavam, olhando em volta como se também estivesse confuso com os acontecimentos. Sua postura era imperial. O ar a sua volta era diferente e todos se encontraram prendendo o fôlego por puro reflexo. Então um som metálico se deu atrás deles. O esforço para virar a cabeça era gigantesco, antes que pudessem visualizar do que se tratava, ouviram uma bela voz feminina. O paladino reconheceu de imediato.
- I’m here, father.
Em seguida puderam finalmente olhar para a recém-chegada. Ela era alta e parecia ser uma meio-elfa. Seus cabelos eram longos e ondulados, num tom dourado que conforme se aproximava das pontas ia ficando azul. Seus olhos eram de um azul vibrante, diferente da maioria das pessoas. Ela vestia apenas tecidos, vários tons azuis diferentes. Havia um pouco de couro em partes mais pontuais, como antebraços e pernas. Suas vestes eram bastante intrincadas, mesmo Alanna jamais havia visto aquele tipo de corte. Em suas costas estava uma foice completamente dourada, pequenos raios percorrendo sua lâmina, mas sem a mesma intensidade vista no machado que a entidade segurava. Ela tinha o sorriso debochado que Arthur sempre imaginara.
Os dois tiveram uma conversa rápida ainda na língua antiga enquanto o quarteto de Silverhawks seguia tentando suportar a pressão imensa que caía sobre seus músculos. Então um novo raio caiu no altar adiante e a pressão sumiu, aquela entidade estava no exato local onde o raio caíra, já longe do grupo. A loura então passou pelos quatro, que começavam a se levantar, ainda que com dificuldades. Seus corpos estavam exaustos e encharcados, não só pela chuva, mas também com suor. O frio que fazia ali também não dava trégua e, apesar de ter diminuído com a chegada do dono do machado, ainda era muito forte para eles.
- Vamos, vocês precisam partir. – Ela disse enquanto passava por eles.
- Certo. – Seguiram-na cambaleando, hesitantes.
- Eu sou Teresa. Teresa Hymynhäive. Devo agradecê-lo, Arthur.
- Eu preferia Celi... – Murmurou o paladino.
- E as crianças? – Perguntou Alanna.
- Se foram. – Teresa baixou a cabeça. – Não estão mais aqui.
- Aqui?
- Não estão mais neste mundo. Eles se teleportaram para outro plano, podem estar em qualquer lugar.
- Não as veremos mais? – A psiônica insistiu.
- Isso depende de vocês. E delas. – Teresa respondeu calmamente enquanto caminhavam até as escadarias.
- E agora? – Perguntou Arthur.
- Agora vocês estão livres e podem ir para onde quiserem. Eu aconselho a você Daarmstagg. Lá você encontrará outros como nós, eles nunca deixaram de ser leais ao nosso senhor.
- E onde fica esse lugar? – Os degraus mais altos da escadaria já ficando para trás.
- Longe. Muito longe, ao leste. Na costa nordeste do continente. Mas fique atento, podemos precisar de você.
- Entendido.
- Nosso senhor voltou e vingança deve ser feita. Mas este é o momento de agir com inteligência. Seis contra um é muito desfavorável.
- Hmm. – Malaggar ouvia a toda a conversa atentamente.
- Pode contar isso para seus amigos, Malaggar. Nós voltamos. – Ela disse sorrindo com uma expressão de tranquilidade, para o espanto do drow.
- O que está acontecendo exatamente? – Alanna não entendia o que estava sendo dito.
- Agora é melhor que vocês partam. Preciso voltar para meu pai. Boa sorte. 
A sacerdotisa azul apontou para o portal ao fim da escadaria, que brilhava lilás novamente. Os quatro passaram por ele, a mesma sensação estranha tomando conta de seus corpos, como se seus corpos fossem separados e então restaurados. Logo estavam de volta à caverna e à parede onde os símbolos estavam talhados em pedra. Quando deixavam a caverna algumas figuras encapuzadas de azul passaram por eles, cada um fazendo um cumprimento respeitoso a Arthur. Conforme se aproximavam da escadaria que levava de volta aos arbustos encontravam mais e mais encapuzados. O paladino sabia que seus semelhantes se reuniam pela glória do retorno de seu deus. Thoriann estava de volta e queria vingança. A tempestade chegou.

3 comentários:

  1. Caraca, vamos sair da ilha pelo que parece, não queria não!

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  2. O desenho é o deus do Arthur?
    Essa conversa dele e com a Loira todos ouviram?
    O jogo vai começar a esquentar Fleara preciso de sua ajuda ! ahsuhsashuhs
    Enfim conhecer o outro continente e possivel saber mais e como perdi minha memórias.

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